quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

CONSTITUCIONALISMO


1. CONCEITO: André Ramos Tavares, em sua obra Curso de direito constitucional, identifica quatro sentidos para o constitucionalismo: “... numa primeira acepção, emprega-se a referência ao movimento político-social com origens históricas bastante remotas que pretende, em especial, limitar o poder arbitrário. Numa segunda acepção, é identificado com a imposição de que haja cartas constitucionais escritas. Tem-se utilizado, numa terceira acepção possível, para indicar os propósitos mais latentes e atuais da função e posição das constituições nas diversas sociedades. Numa vertente mais restrita, o constitucionalismo é reduzido à evolução histórico-constitucional de um determinado Estado.”

2. CONSTITUCIONALISMO CLÁSSICO:
A origem do direito constitucional remonta historicamente às Constituições oriundas dos movimentos de Independência dos EUA e da Revolução Francesa, com o surgimento do Estado de Direito, do império da lei ou princípio da legalidade. Embora a Constituição Francesa tenha sido posterior (1791) sua influência para o desenvolvimento do direito constitucional ocidental, em especial no Brasil, é bem mais significativa. Apresentam dois aspectos marcantes que são seguidos desde então:

2.1. Organização do Estado sob a ótica do princípio da separação dos poderes;

2.2. Limitação do poder estatal, através da previsão dos direitos e garantias individuais.

Cabe esclarecer que embora o final da Idade Moderna marque o começo de um novo modelo de Estado, o Estado de Direito, o surgimento da proteção aos direitos fundamentais desponta desde a Idade Antiga. Podemos citar o instituto romano do interdicto in homine libero exhibendo, que é um antecedente remoto do nosso conhecido remédio constitucional do habeas corpus. Também na Idade Média, especialmente na Inglaterra, prosperam institutos para defesa do indivíduo. Basta relembrar que é de 1215 a Magna Charta Libertatum, que embora tenha deixado a grande maioria da população desamparada dos direitos nela cominados, consolidou importantes direitos e garantias fundamentais tais como o habeas corpus e o direito de propriedade. Posteriormente, também na Inglaterra, destacam-se: o Petition of Rights (1628), o Habeas Corpus Act (1679) e, com a Revolução Gloriosa de 1688 surgem novas prerrogativas implementadas pela Bill of Rights (1689) e depois pelo Act of Settlement (1701).


O constitucionalismo clássico, movimento político e social que culminou com a Revolução Francesa, em 1789, marca a ascensão da classe burguesa e a necessidade de estabelecimento de proteção dos direitos individuais contra a interferência do Estado. Já a partir do século XV, na chamada “Era das Descobertas”, ocorreu na Europa uma política unificacionista, com a união de pequenos Estados fragmentados e a centralização do poder político nas mãos do monarca, bem como a instalação de um modelo econômico baseado na acumulação de ouro e prata (metalismo). Quanto mais os Estados incrementavam sua política mercantilista, mais mitigados eram os direitos individuais. Dá-se o auge do Absolutismo Monárquico. Na mesma época, porém, esboça-se um ideário contrário aos postulados do modelo absolutista, o Iluminismo, com a defesa da racionalidade crítica contra a fé, a superstição e o dogma religioso. Na França as idéias iluministas tomam contorno político ensejando o aparecimento do rationalization du pouvoir ou racionalização do poder, que buscava a consolidação dos direitos individuais e a separação dos poderes do Estado (Teoria de Monstesquieu). Surge com a Revolução Francesa um novo modelo de Estado, calcado no lema “Liberdade, Igualdade e Fraternidade”, que dá ensejo ao aparecimento do Estado de Direito Liberal, também chamado abstencionista.

3. CONSTITUCIONALISMO SOCIAL: O Estado Liberal, surgido com a Revolução Francesa, não-intervencionista, cumpriu ao extremo o fundamento do laisser faire laisser passer que le monde va de lui même. Para Adam Smith, O Estado não devia intervir no domínio econômico eis que naturalmente haveria um equilíbrio no sistema. De fato não foi o que ocorreu, ensejando a continuação da exploração do homem pelo homem, agora sob a contraposição do capital X trabalho, na chamada mais-valia, no chamado capitalismo. Surgem os princípios sociais, em meados do século XIX, enunciados por autores como Ferdinand Lassale, Marx, Engels, entre outros. Já no início do século XX, mercê das desigualdades verificadas pela manutenção do Estado Liberal, eclodem inúmeros movimentos sociais, tais como as Revoluções Mexicana (1910) e Russa (1917), além da 1ª Grande Guerra (1914), dando ensejo ao aparecimento do constitucionalismo social, destinado a criar o chamado Estado do Bem Estar Social para intervir no domínio econômico e construir uma sociedade menos desigual. Trata-se do Estado assumindo o papel de responsabilidade social para a garantia de uma existência digna para todos seus cidadãos. Daí decorre o fenômeno da constitucionalização dos direitos sociais como instrumento para atingir a estabilidade social através do equilíbrio entre os detentores dos meios de produção e da força do trabalho no sentido de buscarem uma sociedade mais justa e vedando a exploração do trabalho como simples mercadoria. Cabe ao Direito do Trabalho, no campo infraconstitucional, entre outros ramos do direito, alargar o campo de atuação dos direitos sociais e seus princípios esculpidos na Lei Fundamental. De grande influência para o Brasil (CF 1934), a Constituição alemã de Weimar (1919), mercê do cenário desolador vivido pela Alemanha à época (1918), com insurreições e desordens de toda a espécie (Revolta do porto de Kiel, etc), urge a criação de novo Estado, o que ocorre sob três pressupostos: forma republicana de governo, implantação de imposto sobre grandes fortunas e socialização das empresas. A referida Constituição estabelece entre suas normas: a liberdade para a defesa e melhoria das condições de trabalho, o direito de coalização e o princípio da autonomia privada negocial coletiva. A Constituição da Itália de 1947 chega a reconhecer ser possível a valorização do trabalho como princípio inseparável da valorização do indivíduo. Os direitos sociais são incluídos no rol dos direitos e garantias fundamentais do ser humano.

4. CONSTITUCIONALISMO NO BRASIL: A CF 1824 reflete a ideologia da época, sendo marcantemente liberal o que se reflete inclusive na ausência de normas constitucionais sociais. A CF 1891 reflete muito mais a vontade do constituinte em alterar a estrutura política do País (forma de governo: Monarquia para República) do que buscar inovações no campo sócio-econômico, razão pela qual ainda não desta vez que os direitos sociais foram constitucionalizados no Brasil. Também inspirado nos acontecimentos históricos da época, em especial o final da 1ª Guerra Mundial e suas conseqüências, bem como sob influência da Constituição de Weimar (1919), a nossa CF 1934 caracteriza-se como marco da evolução do direito constitucional pátrio, eis que é a partir deste diploma legal que passam os direitos sociais a serem disciplinados em hierarquia constitucional visando à consecução do bem-estar de todos e reduzindo as tensões da relação capital e trabalho (reconhecimento dos sindicatos e associações patronais, limitação da jornada diária em oito horas, salário mínimo, férias anuais remuneradas, instituição da Justiça do Trabalho, etc). Vai mais além ao incorporar ao texto constitucional o verdadeiro sentido social do Direito, não apenas regulando as relações trabalhistas como também adotando uma visão global acerca da família, da educação e da saúde. Durou pouco, eis que o Estado Novo outorga, pouco depois, a CF 1937, mantendo em geral os direitos sociais da Carta anterior mitigando, entretanto, os direitos individuais e o direito coletivo do trabalho, como por exemplo considerando a greve como um verdadeiro delito. A CF 1946, por sua vez, nascida dentro do espírito democrático que norteou o final da 2ª Guerra Mundial, da qual o Brasil participou ao lado das forças aliadas que impuseram derrota ao eixo, provoca a organização de nossa ordem econômica de acordo com o postulado da justiça social, pela conciliação entre a livre iniciativa e os valores sociais do trabalho. Prescreve entre outras normas constitucionais de direito social: a integração da Justiça do Trabalho ao Poder Judiciário, participação do empregado nos lucros da empresa, repouso semanal remunerado, estabilidade no emprego, direito de greve, liberdade de associação profissional ou sindical, etc. O movimento militar de 1964 sepulta a referida Constituição democrática e outorga à nação a CF 1967, depois profundamente alterada pela Emenda Constitucional 1/1969, tida e havida como uma verdadeira nova Constituição. Durante o regime de exceção, embora mantidos os pressupostos dos direitos sociais constitucionalmente estabelecidos, verificou-se novamente a mitigação dos direitos individuais e direitos coletivos do trabalho. Todavia, a abertura ao capital externo vinculada ao incremento da infra-estrutura nacional, bem como o baixo custo e a fartura de mão-de-obra, aliados à facilidade de obtenção de matéria prima, desencadearam um significativo aumento da produção agropecuária e industrial, formando ambiente propício ao acesso pela população a bens de consumo, razão pela qual, e também em virtude das grandes taxas de crescimento do País, convencionou-se chamar o período de “milagre brasileiro”. Finda mais esta fase da história nacional e com o retorno dos civis ao poder (1985), torna-se necessária a refundação do Estado democrático sob uma nova base jurídica. A CF 1988, chamada Constituição cidadã consagra o novo Estado Social e Democrático de Direito, tendo esculpido já nos fundamentos da República (CF, art. 1º e incisos) a dignidade da pessoa humana e os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. Insere, ainda, como objetivo fundamental do Estado (CF, art. 3º e incisos) a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais e a promoção do bem de todos. Na atual Carta Magna os direitos sociais encontram-se elencados no 2º capítulo de seu Título II – Direitos e Garantias Fundamentais, o que demonstra à saciedade, a relevância dada à matéria na busca da valorização do indivíduo. Podemos até asseverar que enquanto a CF 1934 marcou a constitucionalização dos direitos sociais no Brasil, a CF 1988, por seu turno, estabelece um entranhamento dos direitos sociais na própria essência da atuação do Estado, através de uma política e de um sistema jurídico que sirvam ao homem e não sejam por ele servidos.
Por fim, o constitucionalismo é um movimento constante de aperfeiçoamento e adequação do Estado, pela via da evolução do direito constitucional, mercê das transformações políticas, sociais, econômicas, tecnológicas, etc, bem como para fazer face às novas questões que se impõem a cada dia.

5. OUTRAS DEFINIÇÕES:

5.1. Canotilho refere-se ao constitucionalismo antigo e moderno, sendo o primeiro ocorrido nas Idades Antiga, Média e início da Idade Moderna, e o segundo já em meados da Idade Moderna.

5.2. Pedro Lenza cita os segunites movimentos constitucionalistas:

a) durante a Antiguidade, identificado por Karl Loewenstein (com os hebreus e seu Estado teocrático e com a experiência das Cidades-Estado gregas e sua democracia direta);
b) durante a Idade Média (exemplificado pela Magna Carta de 1215);
c) durante a Idade Moderna (especialmente na Inglaterra nos séc. XVII e início do XVIII);
d) norte-americano (os chamados “contratos de colonização” do séc. XVII, a Declaração de Direitos do Estado de Virgínia, de 1776, as Constituições das ex-colônias e a Constituição da Confederação dos Estados Americanos, em 1781);
e) moderno (Constituição norte-americana de 1787 e francesa de 1791);
f) contemporâneo (segunda e terceira gerações de direitos fundamentais, ou seja de meados do séc. XIX até meados do séc. XX acerca dos direitos sociais, culturais, e econômicos, e a partir de então acerca dos direitos transindividuais, os difusos e coletivos);
g) futuro (a constituição do “por vir”).

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